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Passado mais um mês de Junho… o que sobra de orgulho?

Arthur Monteiro discute o Orgulho LGBTQIAPN+ a partir da dissertação de sua autoria, tecendo reflexões sobre visibilidade, educação, ética e comunicação inclusiva.
2024-07-29

Desde 2016, quando fiz meu TCC, acompanho o que as empresas produzem no e sobre o mês de Junho - celebrado como o mês do Orgulho LGBTQIAPN+. Acompanho porque gosto de saber o que as empresas estão absorvendo em suas narrativas e porque é fundamental ver a evolução da representatividade ao longo dos anos. Além disso, é ótimo ter em mente quais empresas estão dispostas a colocar meu grupo em sua pauta - ainda que seja somente no mês de Junho - para aprender como tornar a representatividade do meu grupo minoritário mais forte no campo da publicidade e da comunicação.

Pela primeira vez, desde então, sinto que temos pouquíssimas narrativas para observar. Discutimos essa percepção empírica em aula do Doutorado. Depois confirmei que não era somente uma sensação minha. Meio&Mensagem também colocou em pauta um possível recuo das marcas na abordagem da pauta minoritária. Chris Gonzatti, professor universitário, pesquisador e publicitário, doutor e mestre em Comunicação pela Unisinos, também trouxe a mesma reflexão em seu canal Diversidade Nerd.

Uma busca nos principais portais de notícias publicitárias não revela campanhas em destaque neste ano de 2024. As marcas que sempre fizeram grandes campanhas, neste ano limitaram a representação a ações em redes sociais. Nesse texto, não busco entender por que esse movimento está acontecendo - o artigo de Meio&Mensagem traz alguns insights. Também não debato onde a publicidade e a representação estão acontecendo no período recente - isso é papo para outro texto. O que eu quero refletir aqui é: o quanto esse fato é preocupante? Quais são os impactos para a comunidade LGBTQIAPN+?

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Na minha dissertação, Atividade publicitária contestada: o discurso de consultorias LGBTQIA+ no fazer publicitário (2021), proponho uma categoria de sujeito que dá origem a uma noção denominada Diversidade Placebo. A palavra placebo, de origem do vocabulário da Medicina, indica uma substância sem efeitos administrada ao paciente para fazê-lo acreditar que está sendo tratado, com objetivos terapêuticos e psicológicos. Por isso, faço uma analogia para indicar os sujeitos que aparentam desenvolver projetos de inclusão, porém não são ações autênticas ou definitivas de transformação do campo: “Ao manter os saberes da heteronormatividade e não absorver saberes da responsabilidade social como prioridade e da ligação forte entre representatividade e identidade, constitui-se o Publicitário Contemporâneo Placebo (...) É o sujeito-profissional LGB agindo sutilmente em projetos de diversidade com o objetivo de manter seu crescimento profissional sem afetar os valores heteronormativos da empresa na qual participa.” (MONTEIRO SILVA, p. 144-145).

Estamos falando de uma epidemia de diversidade placebo? Ou seria uma extinção do assunto diversidade nas empresas? A despriorização da diversidade já foi pauta de grandes jornais, como o The Wall Street Journal, que já havia sinalizado uma redução no empenho da diversidade pelas empresas em seus objetivos anuais. A Zoom demitiu uma equipe de Diversidade e Inclusão, segundo a Bloomberg. O Google e a Meta também reduziram seus programas de diversidade, de acordo com a CNBC. Mais recentemente, a Microsoft dissolveu seu time de diversidade alegando que “o verdadeiro trabalho de mudança de sistemas associado a programas DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) em todos os lugares não é mais crítico para os negócios como era em 2020”. Ainda assim, a empresa mantém uma página em seu site sobre Diversidade e Inclusão. O porta-voz da Microsoft, Jeff Jones, em comunicado, afirma que o “foco na diversidade e inclusão é inabalável e estamos mantendo firmes nossas expectativas, priorizando a responsabilização e continuando a focar neste trabalho". Ou seja, provavelmente serão eleitos diversos responsáveis por ações extras e, possivelmente, placebo dentro da empresa.

Além de pautar ações superficiais, a diversidade placebo também impacta o interior do grupo minoritário. Dentro da sigla LGBTQIAPN+, temos uma pequena parte representada nas narrativas ocorridas até hoje, e mesmo dentro das empresas - principalmente o G e uma representatividade mais leve de L. “Diante das ações não eficazes e pela falta de identidades diferentes dentro do processo publicitário, podemos observar o distanciamento entre as identidades dissidentes dentro das minorias LGBTQIAPN+. Enquanto verificamos um crescimento na representatividade L (lésbica) e G (gay) nas campanhas publicitárias, nas equipes produtoras e a possibilidade de saída do armário dentro das empresas, temos a invisibilização das outras identidades contidas na sigla - B, T, Q, I, A, +” (MONTEIRO SILVA, 2021, p. 146). O restante das letras não possui representatividade e voz dentro das corporações. É a dissidência dentro da dissidência - a invisibilidade dentro de uma minoria já invisibilizada.

Isso tudo posto, penso: onde chegaremos? Vamos chegar em algum lugar, de fato, com a representação da diversidade LGBTQIAPN+? Ou ainda: o que pode ser feito para evitar a diversidade placebo nessa realidade em que a diversidade deixa de ser prioridade? Será ainda possível incorporar a dissidência invisibilizada nas representações publicitárias e nos ambientes corporativos?

Não tenho respostas fixas, mas tenho indícios e reflexões. Como é dito por uma das consultorias de diversidade em minha pesquisa de mestrado: o desenvolvimento da diversidade é uma questão de rumo e ritmo. O rumo me parece certo. A pauta da ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa) segue em alta nas empresas. Mesmo que a conversa sobre diversidade tenha desacelerado, empresas como a Vivo, O Boticário e Burger King continuam reforçando seu compromisso com as metas de ESG, trazem representação diversa em suas micro ações digitais e apoiam grandes eventos, como a Parada LGBTQIAPN+ de São Paulo.

No entanto, o ritmo definitivamente esfriou. Gestores de marca parecem estar mais receosos de levar a diversidade de representatividades em seus anúncios. A instabilidade do mercado global induz o corte de orçamentos. E quando a prioridade é financeira, a diversidade é um dos primeiros setores a ser cortado, como uma das consultorias sinaliza nas entrevistas que realizei. Igualmente, a crescente onda de conservadorismo e do avanço da extrema-direita no cenário político mundial e local podem influenciar a tomada de decisão das empresas.

De toda essa reflexão, vejo que é fato e mais necessário: não podemos depender das altas decisões corporativas e, muito menos, somente do mês de Junho. Se não há uma representação nem ao menos em uma grande campanha no único mês em que a comunicação está voltada para a minoria, o que podemos esperar no restante do ano? É necessário cobrança para fora do mês de Junho. São necessárias ações locais nas empresas sobre ética, educação e comunicação inclusiva. É necessária a ampliação das vagas destinadas ao grupo minoritário e uma busca por estes talentos que, muitas vezes, ainda não tiveram a chance de se desenvolver. É mais do que necessário que se amplie o número de vozes dissidentes dentro dos processos de produção e junto às tomadas de decisão para iniciar um movimento de visibilização. A ação em busca de uma publicidade mais diversa deve ocorrer, inicialmente, em micro níveis nas empresas. Assim conseguiremos garantir que não sintamos orgulho apenas no mês de Junho, mas que nos sobre orgulho ao longo do ano inteiro.


Arthur Monteiro
é doutorando e mestre em Comunicação pelo PPGCOM UFPR. Publicitário, graduado também pela UFPR. Pesquisa minorias LGBTIQIAPN+, publicidade, narrativas e representatividade.